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quinta-feira, 31 de outubro de 2013

A entrelinha do discurso sobre Yoani

Uma sondagem dos discursos jornalísticos na cobertura da visitante cubana Yoani Sánchez

Yoani atendeu toda a mídia nacional. Foto: Dado Galvão

Yoani Sánchez, a blogueira que já foi premiada diversas vezes por seus artigos e suas críticas sobre a situação social em Cuba sob o governo de Fidel Castro e de seu irmão e sucessor, Raúl Castro, esteve no Brasil, em fevereiro, e, desde sua chegada ao país, enfrentou manifestações ruidosas de uma dezena de simpatizantes do regime castrista, e vários contratempos em seus eventos, e ganhou destaque na impressa brasileira.
Yoani ficou conhecida internacionalmente pelo blog “Generación Y”, em língua portuguesa “Geração Y”, fundado em 2007.

Queremos saber de Cuba
A emissora de televisão pública, Cultura, em relação à Yoani Sánchez, expressou a ideia de saber ainda mais a respeito da ditadura que rege Cuba, através de uma própria habitante do país, para falar do que precisa mudar na sociedade cubana, do modelo castrista de governar, de que modo vivem os cubanos – em relação à saúde, educação, oportunidade de vida. E sobre a blogueira, as perguntas ressaltaram a vontade de descobrir a ideologia defendida por ela – como as realizadas no começo do programa Roda Viva, programa de entrevistas tradicional da emissora, qual Yoani foi a entrevistada. Resultaram na popularização dos pontos de vista de Yoani que, em todas as respostas, ela deixou claro o seu dever em levar a liberdade de expressão aos seus conterrâneos.

Entre o governo e Yoani
Foto: Dado Galvão
Na cobertura jornalística da Rede Globo, sobre a visita da blogueira, foi destacado que Yoani ficou conhecida por denunciar os abusos da ditadura dos irmãos Castro. É notório que a TV Globo mantém um vínculo com o atual governo brasileiro, que possui uma relação especial com o governo cubano. Ao analisar a história da rede Globo, pode-se levar em conta que ela possui vínculos governamentais. Assim, ela não fará o que comprometerá seus princípios. Apresentou a imagem de Yoani sempre como blogueira, ativista de oposição do regime e “popstar”, e não como jornalista e filóloga, que são suas profissões em Cuba. A emissora transmitiu como prioridade as manifestações e os protestos que ocorreram por onde ela passava, mostrando aos telespectadores a imagem de uma visita polêmica, talvez desnecessária, quando a principal causa era a estreia do documentário de que participou “Conexão Cuba-Honduras” e lançamento do livro “De Cuba, com carinho”. Essas informações foram veiculadas, mas não com tanta ênfase quanto os protestos, deixando no ar a ideia de que o Brasil é um país que é contra o comunismo de Cuba.

Os PROTESTOS que ocultaram Yoani
Manifestantes hostilizaram a blogueira
Analisando a cobertura jornalística produzida pelo jornal Folha de S. Paulo, no período de visita da blogueira e dissidente cubana Yoani Sanchez, pode-se perceber que, sem dúvida, o foco do jornal foram as manifestações realizadas contra Yoani, atribuídas aos partidos políticos brasileiros PT e PC do B. A cobertura que, por quatro vezes focou nos protestos, empobreceu o discurso jornalístico, que poderia ter se preocupado mais com o que Yoani tinha a dizer e não foi dito, por exemplo, do que falar unicamente dos protestos; não que esses eventos não tivessem importância. A questão é que toda a produção jornalística da Folha, durante a semana de cobertura, girou em torno de uma temática só: os protestos. Quanto a isso, é conclusivo que houve uma lacuna na cobertura jornalística sobre a passagem de Yoani Sánchez pelo Brasil, produzida pela Folha de S. Paulo.

A cobertura equânime
Sempre serena, Yoani falou sobre liberdade de Expressão
Foto: Dado Galvão
o jornal Estado de S. Paulo é conhecido por seu conservadorismo e, mesmo sendo o jornal que mais deu voz à ativista, ainda assim não foi o bastante. As manifestações ofuscaram o principal objetivo de Yoani Sánchez no Brasil: divulgar sua cultura e seu trabalho.
Ela foi impedida de realizar uma tarde de autógrafos na livraria Cultura, em São Paulo. Além da exibição do documentário Conexão Cuba-Honduras, que teve que ser cancelado devido a mais manifestações, foram inúmeras delas que a acompanhou nos aeroportos em que Sánchez desembarcou. A ativista saiu de seu país depois de ser impedida mais de 20 vezes, para falar e transmitir conhecimento. Porém, o que encontrou aqui foram mais e mais pessoas tentando calar a sua voz e, assim, ocupando um espaço que deveria ser dela, que deveria ser de voz.
A viajante Yoani
Foto: Dado Galvão
Nas matérias publicadas durante a semana em que a blogueira ficou no Brasil, o Portal Terra divulgou toda a agenda de Yoani, e relatou esses eventos sempre superficialmente, narrando apenas como foi recepção da cubana, o que ela achou do lugar e dos protestos – que estavam presentes em quase todos os eventos. Também foi relatado os próximos países que Yoani visitaria, o prêmio de direitos humanos que ela receberia no EUA. A série de matérias termina com a foto de Yoani tomando água de coco com o título: “Após uma semana, Yoani deixa o Brasil em clima de paz”.
A imagem que fica dessa cobertura é a de que, mesmo dando ênfase às profissões de Yoani – filóloga, jornalista e blogueira -, o portal construiu a imagem da visitante como uma popstar que tentou por diversas vezes sair do seu país, e que estava “passeando” no Brasil, visto que, nas inúmeras matérias publicadas, não se falou sobre o que ela veio fazer no país, quais eram suas intenções; ficando apenas conhecida como a superficial “ativista defensora da democracia”.

O jornalismo prolixo
Foto: Dado Galvão
O portal R7 mostra ser contra a ditadura cubana, ao focar nas manifestações contra Yoani Sánchez e, em quase todas as matérias, resaltar as várias tentativas ‘frustradas’ não só da jornalista, mas de muitos outros ativistas, de sair de Cuba e, ainda, falar sobre a falta de liberdade de expressão e a reforma migratória no país comunista.
O portal também classifica o blog “Generación Y” de Yoani Sánchez como muito elogiado em todo mundo e, ainda, ressalta que a dissidente cubana foi eleita como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo, pela revista Time e que seu blog foi eleito, pela rede de TV CNN, um dos 25 melhores do planeta.
Com todas essas classificações, o R7 passa uma imagem de que a cubana é a pessoa prejudicada em toda a história; reforça isso quando fala sobre o dossiê, contra Yoani, implantado no Brasil pelo embaixador de Cuba no país. O documento teria sido distribuído, principalmente, entre funcionários do PT. O portal deu voz à cubana, que considerou o documento como uma “violação” a sua liberdade de expressão e que as manifestações foram um ato de “fanatismo repressivo”.

Ela tem algo a dizer
Foto: Dado Galvão
O discurso da revista Época não focou apenas as manifestações e os protestos. Yoani teve uma voz ativa no veículo, e, da mesma forma, cheio de construções ideológicas. De modo que não a comprometesse, a Época mostrou desde investigações sobre uma influência direta do regime cubano na organização dos protestos até um simples puxão de cabelo que a cubana levou.
Porém, ao terminar, as últimas perguntas são sobre um assunto mais leve, o que sugere uma sutileza estratégica que objetiva fechar o assunto pacificamente, assunto este que trata sobre sua vaidade e seus cuidados com os longos fios de cabelos.

A gladiadora paladina
Capa revista VEJA
A revista semanal Veja levantou uma bandeira abertamente e sem medo de se posicionar. Com o título “A Guerreira e os Fanfarrões” o veículo defendeu uma Yoani Sánchez heroína e vítima da brutalidade dos manifestantes esquerdistas dos partidos PT (Partido dos Trabalhadores) e do PCdoB (Partido Comunista do Brasil).
Utilizando-se de um leque de mecanismos argumentativos, a reportagem principal da edição posicionou-se contra as manifestações em oposição a Yoani; em um ataque velado, sobretudo, ao PT. É explícito, na análise do discurso de Veja, que o alvo de suas publicações é, impreterivelmente, o Partido dos Trabalhadores. É lúcido afirmar então, sob esse prisma, que Yoani para Veja é, definitivamente, a heroína construída na ponta do lápis do chargista de Veja; observa-se na arte da capa que Yoani ameaça o governo da família Castro, tragicamente representado pela figura de um elefante, com a simplicidade de um mouse [figura representativa da inovação tecnológica, o Blog Generación Y, responsável pela última revolução de expressão de Cuba].
Se Yoani teve sua figura construída para atender aos desejos editoriais da revista paulista, é claro que os anseios, objetivos, como do próprio motivo de visita da blogueira ao Brasil, não foram propagados. O que vimos foi um ataque direto aos manifestantes do PT, possivelmente orientados pelo governo de Cuba. Reportagem essa que deu gancho a outra matéria que revelava possíveis escândalos denunciados por Veja na mesma edição; uma sequência inteligente e extremamente persuasiva.
É uma das correntes de nossa investigação a manipulação velada dos veículos de comunicação sobre Yoani Sánchez. Em nenhum dos veículos Yoani foi o centro. A personagem central ora era colocada à esquerda, ora à direita; o desejo da blogueira não foi alcançado. A mensagem simplesmente não teve receptor. O interlocutor foi censurado pelo intermediário: a imprensa. O que Yoani tinha para dizer? Ninguém sabe. Suas palavras foram abafadas pela gritaria dos manifestantes. Seria, todavia, gritaria esta tão alta que um microfone tão poderia superar? Uma mão habilidosa desviou o holofote de Sánchez para a multidão; e o microfone, esse foi desligado para que o barulho conveniente tapasse a boca da visitante cubana.

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